quarta-feira, 29 de junho de 2011

Redes sociais: invente a sua


Por Demétrio Pereira

Se é de linguagem que são feitos os costumes e culturas, podemos dizer, sem muito medo de errar, que a internet (linguagem pura) reproduz e amplia a realidade social – um espelho que tanto assume quanto modifica as características do mundo real.

É nesse intercâmbio incessante que surgem as tribos virtuais, aglutinando usuários com interesses em comum. Há “fórum” para todos os gostos e desgostos – de fãs de Beatles a leitores [sic] de obras como Crepúsculo, Lua Nova e demais romances de vampiros em que o Drácula deve morar não nas cordilheiras da Transilvânia, mas no alto da Brokeback Mountain.

Quando descobriram que havia como oferecer esses núcleos de interesse (“fóruns”, “comunidades” e afins) dentro de redes de relacionamento, inventaram a bola da vez: as redes sociais. Orkut, Facebook, MySpace, Hi5, Sonico, etc. A lista é grande e só aumenta. Em consequência, abrem-se os horizontes para os usos possíveis dessas ferramentas.

A rede social mais intrigante é a Beautiful People. Como o leitor já deve ter adivinhado, esse site aceita apenas pessoas bonitas. O sujeito se inscreve, anexa uma foto pessoal e espera 48 horas enquanto os usuários do sexo oposto avaliam sua beleza. A rede reúne 540 mil usuários, sendo que quase 2 milhões de feios já foram rejeitados. Segundo as estatísticas, o Brasil é um lugar privilegiado: estamos em 4º lugar no ranking das nacionalidades mais frequentes entre as mulheres aceitas, e em 2º no respectivo ranking masculino.

Ao contrário de outras redes, que oferecem espaço para a interação entre usuários com interesses e preferências em comum, o Beautiful People une sujeitos que julgam e admitem a aparência física uns dos outros. Não é difícil imaginar que  num clube como esse só circulem pessoas parecidas umas com as outras. Afinal, o padrão que aceito é o padrão através do qual fui aceito!

Depois que descobri esse site, comecei a imaginar que outras redes sociais seriam inventadas. Sugiro a criação de algumas:

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UGLY PEOPLE

Naturalmente, se existe rede social dos bonitos, por que não uma para os feios?

A verdade é que essa ideia não é nova. A primeira rede social de feios de que se tem notícia surgiu no Brasil, em 1993, e se chamava GRUPO MOLEJO.

Experiências similares pipocaram, mas sempre restritas a uma pequena elite de feios. Uma proposta mais democrática, como a do Beautiful People, poderia trazer para a internet um site em que os usuários apenas aceitassem a inscrição de pessoas feias.

Sem muita frescura: se você envia uma foto em que está bonito, já era, é barrado na hora. O mesmo vale para pessoas que ficam bonitas. Não seriam raras discussões como:

- Você colocou silicone! Cai fora!

- Sim, aumentei meus peitos, mas continuo feia!

- Feia, mas gostosa!

- Gostosa, mas feia!

As brigas entre os feios seriam intermináveis, e costumeiramente terminariam com acusações de baixo nível, em que um tentaria difamar o outro por ser o mais bonito dos dois.

As únicas fotografias de gente bonita seriam as de bebês, aceitas na comunidade “Quem nunca foi bonito que atire a primeira pedra”.

Falando em bebês…

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BABY PEOPLE

Quem não tem um conhecido que se tornou pai/mãe e logo fez um perfil no Orkut para o recém-nascido? É possível que essa prática lamentável se popularize a ponto de merecer uma rede social autônoma.

Desde Freud, sabemos que há um idiota tarado e problemático dentro de nós, sempre à espreita, querendo vir à tona. A rede social de lactantes é a oportunidade perfeita para levar os monstros interiores para passear. Afinal, quem está falando é o neném! Culpem ele!

Como a intenção dos pais é exibir o filho ao mundo e, de quebra, dar vazão a impulsos reprimidos, a interação simplesmente não existe. Os bebês não conversam entre si nem fazem amigos (isso sim seria bastante doentio). Tudo que o bebê “fala” independe de qualquer receptor da mensagem, e aí a coisa fica que nem a timeline de gente que não sabe usar o Twitter:

“Hoje mamãe me serviu papá com a colher. Está saindo um dentinho!”

“Hmmmmm….. Adoro maçã ralada!”

“Sempre arregalo os olhos quando ouço o Au-au da Dona Neuza latir! (A Dona Neuza mora embaixo de nós)”

“Coloquei o dedo na tomada! Bem que mamãe disse para o papai comprar protetores!”

“Papai acorda todas as noites com meu choro! Não dou descanso hehe”

“Hoje, 13/05, falei minha primeira palavra: ABU.”

“Cada dia fico mais parecido com vovô Fúlvio! Ele está com Papai do Céu.”

E outras babaquices afins.

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HOMOSSEXUAL PEOPLE

Os gays não são definidos apenas em função de sua opção sexual. Existe uma cultura gay -> FATO. Uma das características dessa cultura é a tendência de usar uma palavra para dizer TUDO. É para causar impacto e frenesi com a palavra definitiva, única, insubstituível.

Uma rede social de gays teria a predominância de fotografias. A atmosfera seria muito imagética (ui, IMAGÉTICA, arrasei!). Seria uma avalanche de fotos repletas de bichas, todas maliciosamente alegres em suas festas regadas a promiscuidade, gayzisse e baitolagem.

Cada foto teria, no mínimo, uns 50 comentários neste estilo:

“ARRASA”

“DIVA”

“ADORO”

“PODER”

“LUXO”

“DIGNO”

“NOJO”

“SEJOGA”

“AMO”

“MORRI”

“BICHA”

etc.

Quando os homossexuais decidem falar mais coisas, fazem de um jeito que a frase termine com uma palavra de impacto: “Aaai, te vi ontem na fila do banco e deu vontade de rasgar toda tua roupa, ALOKA!”

PS: isso não vale para as lésbicas, que não falam desse jeito. Além disso, uma rede social de lésbicas não poderia existir porque todos os usuários seriam homens realizando as fantasias uns dos outros com seus perfis fakes.

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ALTERNATIVE PEOPLE


É difícil imaginar uma rede social para alternativos (ou indies), porque isso seria indício de que os alternativos já não são tão alternativos assim, e aí todo o projeto seria abandonado. É provável que os alternativos de raiz criticassem seus eventuais colegas de tribo que tivessem um perfil em uma rede desse tipo. Seria, enfim, um fenômeno autofágico: assim que surgisse, já teria decretado o seu óbito.

Mas vamos imaginar, só pela farra, que os alternativos concordassem – contrariando o instinto de negar qualquer vinculação a qualquer grupo ou tendência – em fazer parte desse seleto Orkut.

Bom, essa rede estaria cheia de comunidades dispersas, com poucos membros, cada uma querendo ser menos popular que a outra. Nessa disputa pelas periferias do interesse coletivo, surgiriam diversos grupos com nomes propositalmente repelentes, como “Curto Oasis, e daí?” e “Samba? Só de raiz”, e intencionalmente nonsense, como “Pedra avião”, “Abraça o tio e gargareja” e outras frases com potencial de senha de e-mail.

Antes de ser aceito na Alternative People, o sujeito tem que passar pelo curso online Como ser uma pessoa alternativa. Como uma rede social de indies é, em linhas gerais, um evento de moda, algumas preocupações são obrigatórias. O cabelo feminino, por exemplo, deve ser aproximar do corte do cantor Xororó:


Sim, o Xororó parece o Jackie Chan.

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